quarta-feira, 2 de maio de 2007

O HOMEM QUE SONHOU E MORREU


O HOMEM QUE SONHOU E MORREU

João Carlos sonha com o mar, sonha com uma cadeira de praia e uma cerveja gelada, sonha com a loira deitada para o bronze, com a morena que passa empinada, com o sol que olha para ele...

6horas:

TTTRRRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!!!

João Carlos pula da cama abre o chuveiro e enquanto a água que cai esquenta ele vai até a cafeteira e enquanto a cafeteira faz o café ele vai até o guarda-roupa e escolhe o terno azul marinho e enquanto a roupa está em cima da cama bagunçada ele toma banho e enquanto a chuva do chuveiro cai sobre ele ele se ensaboa e enquanto o sabonete escorrega ele enxágua os cabelos. Sai do banheiro vai até a cafeteira e coloca o café quente na xícara e enquanto esfria ele vai até o quarto vestir o terno azul e enquanto o terno azul se acomoda ao seu corpo quase enxuto ele toma o café quase frio e sai.
6h30: João Carlos sobe no ônibus lotado, vai pendurado na porta, pede licença, não resolve, empurra, então consegue entrar e fica no meio do caminho, no meio do corredor entre uma mulher que está a sua frente e um homem que está a suas costas e, enquanto o ônibus não chega ao seu destino João Carlos sonha: sonha com a praia, a loira, a morena, o mar, o sol, a cerveja e com um carro, um carro amarelo ovo conversível com bancos de couro, ele tem dinheiro, ele pode ter e promete que semana que vem comprará um carro e irá até a praia ver mulheres loiras e morenas passarem por ele com um copo de cerveja gelada nas mãos. O ônibus pára.
João Carlos desce do ônibus e corre, corre até o prédio, enquanto o elevador chega ele pega o jornal, enquanto abre o jornal sobe no elevador, enquanto o elevador chega lê o caderno de economia e enquanto lê várias ordens o esperam e, enquanto cumpre ordens, João Carlos sonha com o mar.
13h: João Carlos sai para almoçar, mas enquanto sai para almoçar João corre para o banco, precisa pagar as prestações da casa, da cama e do som, precisa pagar o curso de inglês, francês e espanhol, precisar quitar as mensalidades do curso básico de vendas, e na fila, sonha. Sonha com as férias que precisa tirar, das festas que precisa ir, das mulheres que precisa conhecer, da família que precisa formar, das alegrias que precisa ter, enquanto sonha a fila anda e João olha para o relógio e enquanto olha para o relógio conclui que não terá tempo de almoçar.
14h: João Carlos volta, entra no prédio e enquanto entra pergunta se tem recado e enquanto recebe a resposta vai ao elevador e enquanto sobe até o terceiro andar João sonha com a vida que não tem. Enquanto corre para lá e para cá João pensa que não tem comida em casa e que precisa comprar, que precisa ter um gato ou um cachorro para não se sentir tão só, que precisa regar as plantas que estão secas e murchas, que precisa, de vez em quando olhar para o alto e admirar as estrelas no céu. João vai embora e enquanto vai embora se programa para o dia seguinte, tudo a mesma coisa, só os sonhos são diferentes. O ônibus está lotado, vai pendurado na porta, pede licença, não adianta, então empurra e consegue ficar no meio do caminho, entre duas mulheres. O ônibus está mais cheio do que pela manhã, mas, mesmo assim, João sonha com uma linda mulher, que o amasse e sentisse tesão por ele, que o estivesse esperando em casa, cheirosa, esperasse seu marido com uma mesa farta, comida boa, muita massa e ela estivesse vestida sensualmente e, logo após o jantar, ela o levasse para o quarto tirasse sua roupa e...
SPLAFT ... – João ficou excitado, a mulher da frente virou-lhe o tapa na cara e ele não entendeu por que apanhou. Apanhou por sonhar???
João indignadíssimo foi até o supermercado e enquanto foi ao supermercado lembrou-se do que tinha que comprar e enquanto ia comprando ia programando seu jantar e enquanto programasse seu jantar iria sonhar. NÃO!!! NÃO IRIA SONHAR, jamais sonharia novamente porque apanhou por sonhar. Mas não se deu conta que sua vida dependia do sonho e quando decidiu não mais sonhar caiu. Caiu no meio do supermercado e todos fizeram uma roda ao seu redor para vê-lo morrer. E morreu.
6horas da manhã: João Carlos foi enterrado porque ninguém tinha tempo a perder. João estava lá, debaixo da terra e eis que alguém muito misterioso escreveu em sua lápide:

“AQUI JAZ UM HOMEM QUE MUITO TRABALHOU E... SONHOU.”


Ana Paula Enes
2001
2006

Nenhum comentário: