quarta-feira, 2 de maio de 2007

A arte pela arte - Capítulo I


A ARTE PELA ARTE - CAPÍTULO I

Graças aos céus que temos arte, graças aos deuses que a arte existe para ilustrar a vida e dar às linhas “mal ditas”, ao objeto “mal feito”, à pintura “mal acabada”, à atitude menos convencional, o status de belo, original e excêntrico. Que bom que as coisas não são as mesmas para todos nós, que não temos padrões preestabelecidos para os nossos gostos porque, quando algo diferente se põe à frente de nossos olhos e o impacto causa estranheza, chamamos isso de “arte”.
Acho que arte é o meio pelo qual os deuses se manifestam para o bem ou para o mal. É nos olhos comovidos quando lêem um texto, observam uma escultura, apreciam uma pintura, se emocionam ou se indignam diante de uma cena natural ou reproduzida do cotidiano, ou nos ouvidos que escutam pingos d’água que formam melodias melancólicas junto à velocidade audível do vento, ou uma ópera raivosa e violenta que se contrapõe ao batuque alegre de uma bateria de escola de samba; ou ainda, o cheiro da boa culinária, a degustação do vinho envelhecido, a companhia para a dança romântica, a emoção de, às vezes, olhar-se no espelho e achar-se uma obra de arte, porque os deuses, ao mexerem os seus pauzinhos, concluíram que, em meio a tanta dureza, rusticidade e mau humor, deveria haver algo que sensibilizasse, desse prazer e fosse o meio ideal para esquecermos o fútil, para darmos importância ao que realmente interessa: a arte. Arte essa que está dentro de nós, está escondida em nossos cinco sentidos vitais e, basta concentrar-se, basta fazer silêncio e querer que sentimos a arte da vida correr por entre nossas veias.
A arte pode salvar o mundo. Será que alguém já pensou nisso? Talvez se todas as pessoas trabalhassem sua arte não teriam tempo nem disposição de realizar as vontades alheias, cada um criaria a sua arte e a arte salvaria o mundo da futilidade que traz o desejo de poder e a mesquinharia da manipulação. Eu sei que a utopia também é uma forma artística de se idealizar a perfeição. Mas creio que, se arte é sensibilidade, teríamos tempos mais sensíveis e preocupados com o que é belo e transcendental.
A escrita é uma das artes mais belas e completas, capaz de revolucionar, emocionar, enraivecer, motivar. As palavras são poderosíssimas, podem ser usadas para o benefício ou malefício, como toda arte, mas, se lapidadas por artistas bem intencionados tornam-se intermediárias entre o mundo pessoal e íntimo e o mundo externo e observador.
Para algumas pessoas as palavras fluem melhor escritas do que faladas, fluem melhor porque existe o intermediário que leva ao destinatário o que se pretende dizer, ou, às vezes, nem dizer, apenas insinuar. O papel, a tela do computador, o outdoor são alguns desses mensageiros, encarregados de transmitir o recado, a notícia, a propaganda, a arte...
Eu prefiro a escrita. Conjunto de símbolos, aparentemente, frios que traduzem o que vai no íntimo. Transformar pensamentos em algo concreto é fascinante, traduzir parte de intensas emoções equivale a uma bela alquimia. Relatar fatos de maneira clara e objetiva não é para qualquer um, apenas as pessoas sensíveis conseguem fazer da escrita um instrumento de arte e informação, conseguem fazer das Letras um objeto de cultura, oferecendo ao mundo uma parcela de beleza.
As palavras escritas, esse código de comunicação, são para mim essenciais para uma sobrevivência harmoniosa com meu interior; Letras são terapêuticas, fazem com que eu coloque nelas minhas angústias, conflitos e alegrias. Minhas confidentes. Mas, como confidenciar algo às Letras se elas são instrumentos do meu relato? Estão tão entranhadas em mim que quando vêm para o papel já sabem o que desejo dizer, somos tão íntimas e as tenho queridas porque, por meio delas, consigo me encontrar. O meu fascínio por elas, provavelmente, é semelhante ao fascínio do pintor pelas cores, do cantor pela música, do ator pela interpretação... meu fascínio pelas Letras é tão intenso que me sinto artista, uso-as para embelezar meus dias, ocupo-me da arte de arquitetá-las, organizá-las de modo que fiquem belas e que fascinem outras pessoas que as lêem, mas que não as lêem puro e simplesmente e sim as sintam e enxerguem que elas dizem muito mais do que aparentam dizer.
Quando me aprofundei nelas, nas Letras, foi para aprender a usá-las com mais propriedade e para entregar-me de vez ao fascínio que elas exerciam sobre mim, entregar-me, decididamente, ao vício de ler e escrever. Tornei-me lapidadora delas, ou seja, tornei-me revisora, ou seja, tenho a função/prazer de transformar conjunto de Letras que chegam até mim em seu estado bruto em conjuntos claros e belos, cuidando para que as Letras estejam bem ditas, as benditas Letras que traduzem pensamentos, sentimentos e relatam informações. Ainda não sei, em minha modesta experiência, se realizo bem a função de lapidadora de Letras ou não, a única certeza que tenho é a de que sou e serei sempre viciada nelas e na arte de transformá-las em beleza.

Ana Paula Enes.

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