quarta-feira, 2 de maio de 2007

BLOQUEIO-CRÔNICO-ESSENCIAL






BLOQUEIO-CRÔNICO-ESSENCIAL

Minha capacidade de concentração está comprometida.
Faz algum tempo que isso acontece...
Há algum tempo, acho que há alguns bons meses, eu não tinha tanta dificuldade em escrever, em colocar no papel peculiaridades do dia-a-dia, encantamentos do meu interior, episódios cômicos e trágicos... Tenho medo dessa falta de concentração, dessa falta do que dizer, dessa sensação de “não sei como dizer”. Juro que não quero me tornar uma analfabeta espiritual, mas, analfabeto é aquele que nunca teve a possibilidade de sair de sua ignorância escrita... eu já escrevi, não digo que bem, nem que ruim, mas aprendi de alguma forma a esboçar pensamentos e emoções numa superfície qualquer. Então o caso não é analfabetismo, talvez eu possa chamar isso de “bloqueio-crônico-essencial”. É uma nova doença inventada por mim, garanto que é grave... porque sou eu quem sinto, portanto, posso diagnosticar o que sinto. Nenhum médico seria capaz de descobrir minha moléstia, só eu, porque sou eu quem sofro de falta de concentração.
Essa falta... de concentração pode ser causada por um vírus feroz, que acomete as pessoas fúteis, imediatistas, preocupadas apenas com posições sociais e financeiras... pessoas... comuns, preocupadas com o mundo “moderno”. O “vírus-da-pessoa-comum” é devastador porque cega de tal maneira que não se assimila a importância das coisas que estão à frente, como o sorriso do dia, a estrela cadente, a nuvem em formas identificáveis, a borboleta que poucas vezes se vê na cidade, o olhar ingênuo de um desconhecido, o agradecimento por uma gentileza, o bom humor, o sentimento puro simplesmente, a canção ao fundo, o bom-dia dito com alegria, o telefonema de um amigo que não se tem notícias há tempos, o intervalo entre uma música e outra, a sonoridade do mar, o fechar os olhos tranqüilamente e sonhar. Estou tão cercada por pessoas “doentes” que acabo me contaminando, aliás, esqueci de dizer: é contagioso. Pessoas comuns são aquelas que levantam pela manhã reclamando por terem de se levantar cedo, tropeçam no chinelo por ainda não terem aberto os olhos, tomam o banho e escovam os dentes sem se olhar profundamente no espelho. Apertam suas gravatas ou calçam seus saltos altos e tomam um café obrigatório e rápido para não perderem tempo. Superficiais. O vírus que corrói a sensibilidade.
Tempo.
Tempo é o elemento-chave. Ultimamente é sobre ele que passo horas a pensar, é sobre ele minhas mais profundas divagações antes de o sono acometer-me e levar-me para o outro lado dele: o sonho. O tempo é minha grande preocupação porque ele ameaça meus projetos de vida rica em experiências... ele é o vilão de toda essa história. Mas depois trato dele com mais meticulosidade porque há muito que falar sobre esse tal... vilão e mocinho.
Agora falo da minha “doença”, a doença que estraçalha as sensações mais prazerosas, porém, as mais surdas que, se não forem devidamente sentidas, passam despercebidas e secam minha alma que precisa ser regada constantemente por sensações que parecem pequenas, mas são capazes de provocar estímulos internos e reflexões sobre mim... é por meio dessas reflexões, que se dão por meio de sensações, que tento me tornar UMA pessoa, não alguma pessoa comum. Cada um de nós precisa ser pessoa especial, ser única para si e para os outros, ser comum é ser como todos os outros, não quero ser como todos os outros, ninguém deveria querer ou se conformar com a condição de “pessoa comum”. A tal doença invade as entranhas dos sentimentos desprovidos de interesse, desprendidos de trocas levianas; essa moléstia ataca os detalhes do cotidiano, detalhes que são esquecidos por serem considerados antipráticos ou desproporcionais ao tempo que vai e não me espera. Lá vem o TEMPO novamente invadir uma conversa que não é dele... ainda não. Deixarei o tempo de lado, pelo menos por um instante, só o momento em que escrevo e, dentro desta escrita, tento angustiosamente buscar explicações ou, quem sabe, a cura para o meu bloqueio-crônico-essencial. Mas o tempo está aqui e ele corre... Não há como fugir.
O mundo me leva a concluir que refletir sobre a profundidade do meu ser é perda de tempo... e tempo é tempo... corre desesperadamente e, se não o acompanho, ele vai e eu fico. Junto a ele vão todos os artifícios que tentam justificar o mundo moderno e, se ele leva tudo com ele, fico à mercê de mim mesma. E é por isso que preciso ser forte, forte o suficiente para agüentar a responsabilidade de ir contra o TEMPO. Mas, não ir contra o tempo todo o tempo, apenas nos momentos em que eu precisar alimentar o espírito e o reeducar, fazer um processo de “reciclagem” para que não me esqueça do que realmente é belo e sincero.
Aos poucos estou conseguindo me concentrar.
Aos poucos volto a ter o domínio das palavras que saem de dentro de mim, despretensiosamente, mas querendo me convencer de que tenho salvação.
O que há de mais especial dentro do meu espírito sofrido por estar sedento de atenção está se manifestando e me dizendo algo muito importante que preciso relatar logo antes que me escapem as palavras que minha alma esboça neste momento: o TEMPO é o causador da minha doença... porém, só ELE é o antídoto contra esta moléstia que tanto me persegue. O TEMPO cura. Todos já ouvimos esse clichê e outros como: dar tempo ao tempo é a melhor maneira para se reconquistar pessoas ou coisas perdidas... inclusive a doçura das palavras benditas, as ternas sensações que podemos sentir todos os dias e não permitimos que se manifestem, os detalhes... a concentração em mim mesma para que, após breves momentos de reflexão, eu me torne um ser racional um pouco melhor... Por que não especial?... Deve-se sempre buscar o essencial.
Após um mergulho no interior que nem eu mesma conheço descobri que todo meu conteúdo adquirido com tanto esforço continua aqui... bem aqui, estava mesmo escondido, empoeirado e esquecido, mas resolvi pedir auxílio ao TEMPO antes que o bloqueio-crônico-essencial tomasse conta definitivamente de mim. Entramos num acordo: ele continua a correr como sempre fez, porém, eu pararei por alguns breves momentos durante todo o meu dia para ouvir o que tenho a dizer e, mesmo que ele não me espere, num futuro não muito distante, em que a idade cronológica e a maturidade do meu espírito me levarão, vou encontrá-lo, quando ele estiver cansado, e ficaremos juntos, pois, quando eu chegar lá saberei que O TEMPO SÓ CORRE PARA AQUELES QUE NÃO O SABEM APROVEITAR... SÓ A MATURIDADE ENSINA QUE O TEMPO SOMOS NÓS... nós somos o tempo que passa e leva consigo os progressos de uma humanidade doente que não sabe olhar para si e não pensa em ser especial, só alguém comum, cheia de valores ilusórios e dispensáveis.
Meu espírito ainda tem muito que aprender. Depois de muito refletir, consegui encontrar uma possível resposta, mas ainda não sei como alcançá-la porque vivo o conflito interior, o conflito entre o que o mundo me pede e o que eu posso dar.
Mas, estou feliz por saber que voltei a me concentrar.
Reconheço que não estou curada e, provavelmente, este tratamento se estenderá por muito tempo. Sinto estar no caminho certo, o caminho que me leva às pessoas especiais e me afasta das
pessoas comuns.

Continua... quando eu tiver um pouco mais de TEMPO...

Ana Paula Enes.
2002
2006

4 comentários:

Unknown disse...

O que posso dizer a respeito disso?? PERFEITOOOOOOOOO!!! Ana, você foi sensacional...a gente deixar passar tudo na correria e nem apreciamos mais a vida...se faz calor, tem gente que reclama do SOL...se faz frio, se questionam pq não faz SOL...enfim, é hora de aproveitar melhor tudo que a vida nos oferece!

Anônimo disse...

Teste

Anônimo disse...

Olá, Ana! Fiquei super feliz pela sua visita no meu blog! Que saudade! Pois é, me tornei um viciado na ferramenta há um tempinho. Agora posto todo dia. Por falar nisso, não conhecia o seu blog! Sensacional! Textos maravilhosos e, o mais importante, com conteúdo, desta fabulosa profissional. Tenha certeza de que ganhou um leitor assíduo! Parabéns e um ótimo fim de semana

Unknown disse...

Oi... vim te visitar, querida. E é sempre tão gratificante te "rever, re-sentir"! Palavras - enleios. Obrigada por este presente. UM beijo.