sábado, 21 de abril de 2007

FeLIZ mUndo NoVO


FELIZ MUNDO NOVO

Quando propuseram que eu escrevesse uma crônica de fim de ano fiquei dias pensando em algo impactante, algo que as pessoas lessem e se surpreendessem, algo que contivesse palavras bonitas, elaboradas, difíceis, rebuscadas como nos séculos que já se foram. Fiquei pensando em algumas frases prontas tiradas de livros de auto-ajuda ou de mensagens fictícias do Dalai Lama, pensei em iniciar uma história triste que traspassasse a comédia e terminasse no final feliz, afinal de contas é assim que terminam quase todas as histórias de faz-de-conta, mas, infelizmente, não estamos num enredo de “Era uma vez...” em que podemos direcionar os acontecimentos e determinarmos seu fim. Não. Não somos nós quem guiamos a História, é Alguém, ou Algo muito maior que nós... que nos usa como peças de um tabuleiro de xadrez ou simplesmente quer nos ensinar uma lição, mas somos tão maus alunos que não saímos da recuperação.
Portanto, não pretendo nada impactante, ou mirabolante, ou fantasioso, só pretendo deixar um registro de mais um ano que se foi, de esperanças que se foram junto ao ano velho que nunca foi novo porque o tempo não se renova, ele simplesmente o é e depende apenas de nós começarmos um novo ciclo, mas o tempo continua lá e continuará lá sem nos esperar e nem dará um intervalo para decidirmos o que mudar para o próximo ano. O tempo é uma linha contínua que nós, festeiros que somos, decidimos cortá-lo, numa linha imaginária e determinar “Ano Velho, Ano Novo”. Pois bem, que seja assim.
No ano velho tivemos fome na África, tivemos terrorismo no Oriente, tivemos assassinatos de famosos e anônimos, tivemos confrontos sangrentos entre pais e filhos, tivemos desastres ecológicos, tivemos eleições presidenciais, tivemos seca no Nordeste, tivemos desemprego, tivemos a volta da inflação, tivemos os EUA em nossos calcanhares, tivemos de pedir dinheiro emprestado, tivemos que rever conceitos, tivemos que brigar por espaço, tivemos que correr atrás das informações, tivemos que ganhar dinheiro, tivemos que fazer amigos, tivemos que repensar atitudes e passos mal dados, tivemos que reconhecer que nem sempre somos os melhores, mas nem em todos os momentos somos os piores, tivemos que ouvir o que o outro teve a dizer, tivemos que dormir, tivemos que sonhar porque o outro lado às vezes nos chama, tivemos que concluir um ciclo porque o ano velho terminou.
No ano novo teremos fome na África, teremos terrorismo com o logotipo da Al Qaeda, teremos assassinatos de culpados e inocentes, teremos discussões entre pais superprotetores ou ausentes com seus filhos impessoais e “auto-suficientes”, teremos indústrias poluidoras porque vivemos num capitalismo selvagem, conseqüentemente, teremos desemprego, teremos eleições para o sindico do prédio e da associação de moradores do bairro, teremos o EUA nos fiscalizando, teremos de ganhar dinheiro, teremos de mostrar que somos melhores que os outros que estão na mesma posição que nós, teremos que aceitar críticas, teremos que ouvir o que o outro tem a dizer, teremos que repensar nos rumos que tomaremos, teremos que dormir para sonhar com o que teremos no ano novo que virá.
Não acho que seja pessimismo, mas sim a realidade: tudo continuará igual. O tempo, pensando bem, não é uma linha contínua, é um círculo em que todos os acontecimentos se repetem, só que de maneiras diferentes. Mas, ele, o tempo, de forma majestosa, passa pela nossa frente, bem embaixo do nosso nariz, os mesmos erros que cometemos no passado e continuamos a cometer no presente e, provavelmente, cometeremos no futuro. Sabe aquelas hipóteses que lancei no início deste texto, sobre sermos peças de um jogo ou maus alunos? Fico com a segunda opção. Erramos, o tempo mostra que erramos, então erramos novamente prometendo não errar no ano novo, mas o ano novo torna-se ano velho e na retrospectiva que reproduzimos dentro de nós chegamos à conclusão de que tornamos a errar, às vezes, de forma diferente, mas os erros persistem e o nosso erro erradia o erro do outro e o do outro o do outro... e os erros de uma nação forma a cultura equivocada de um povo e o tempo vai, vai, vai... e não volta para consertarmos, mas ele está em círculos, nos oferecendo a oportunidade de agarrarmos esses erros e transformá-los em acertos. Ô recuperação difícil! Não saímos da nota vermelha... acho que o nosso problema é que apenas decoramos a “matéria”, não colocamos em prática nossa teoria. É mais uma hipótese.
Tempo, tempo, nos perdoe porque levamos bomba novamente. Ainda bem que não podemos ser expulsos dessa escola chamada vida, senão... Por favor, deixe que o dividamos em Velho e Novo porque assim podemos tentar mais uma vez acertar renovando nossas forças e esperanças. Não perca a esperança em nós, Tempo... continue girando em círculos e nos passando a cola. Um dia, quem sabe, seremos aprovados para um Mundo Novo.


Ana Paula Enes
Fim de 2002

Porque gosto de escrever!


PORQUE GOSTO DE ESCREVER!

Graças aos céus que temos arte, graças aos deuses que a arte existe para ilustrar a vida e dar às linhas “mal ditas”, ao objeto “mal feito”, à pintura “mal acabada”, à atitude menos convencional, o status de belo, original e excêntrico. Que bom que as coisas não são as mesmas para todos nós, que não temos padrões pré-estabelecidos para os nossos gostos porque, quando algo diferente se põe à frente de nossos olhos e o impacto causa estranheza, chamamos isso de “arte”.
Acho que arte é o meio pelo qual os deuses se manifestam para o bem ou para o mal. É nos olhos comovidos quando lêem um texto, observam uma escultura, apreciam uma pintura, se emocionam ou se indignam diante de uma cena natural ou reproduzida do cotidiano, ou nos ouvidos que escutam pingos d’água que formam melodias melancólicas junto à velocidade audível do vento, ou uma ópera raivosa e violenta que se contrapõe ao batuque alegre de uma bateria de escola de samba; ou ainda, o cheiro da boa culinária, a degustação do vinho envelhecido, a companhia para a dança romântica, a emoção de, às vezes, olhar-se no espelho e achar-se uma obra de arte, porque os deuses, ao mexerem os seus pauzinhos, concluíram que, em meio a tanta dureza, rusticidade e mau humor, deveria haver algo que sensibilizasse, desse prazer e fosse o meio ideal para esquecermos o fútil, para darmos importância ao que realmente interessa: a arte. Arte essa que está dentro de nós, está escondida em nossos cinco sentidos vitais e, basta concentrar-se, basta fazer silêncio e querer que sentimos a arte da vida correr por entre nossas veias.
A arte pode salvar o mundo. Será que alguém já pensou nisso? Talvez se todas as pessoas trabalhassem sua arte não teriam tempo nem disposição de realizar as vontades alheias, cada um criaria a sua arte e a arte salvaria o mundo da futilidade que traz o desejo de poder e a mesquinharia da manipulação. Eu sei que a utopia também é uma forma artística de se idealizar a perfeição. Mas creio que, se arte é sensibilidade, teríamos tempos mais sensíveis e preocupados com o que é belo e transcendental.
A escrita é uma das artes mais belas e completas, capaz de revolucionar, emocionar, enraivecer, motivar. As palavras são poderosíssimas, podem ser usadas para o benefício ou malefício, como toda arte, mas, se lapidadas por artistas bem intencionados tornam-se intermediárias entre o mundo pessoal e íntimo e o mundo externo e observador.
Para algumas pessoas as palavras fluem melhor escritas do que faladas, fluem melhor porque existe o intermediário que leva ao destinatário o que se pretende dizer, ou, às vezes, nem dizer, apenas insinuar. O papel, a tela do computador, o outdoor são alguns desses mensageiros, encarregados de transmitir o recado, a notícia, a propaganda, a arte...
Eu prefiro a escrita. Conjunto de símbolos, aparentemente, frios que traduzem o que vai no íntimo. Transformar pensamentos em algo concreto é fascinante, traduzir parte de intensas emoções equivale a uma bela alquimia. Relatar fatos de maneira clara e objetiva não é para qualquer um, apenas as pessoas sensíveis conseguem fazer da escrita um instrumento de arte e informação, conseguem fazer das Letras um objeto de cultura, oferecendo ao mundo uma parcela de beleza.
As palavras escritas, esse código de comunicação, são para mim essenciais para uma sobrevivência harmoniosa com meu interior; Letras são terapêuticas, fazem com que eu coloque nelas minhas angústias, conflitos e alegrias. Minhas confidentes. Mas, como confidenciar algo às Letras se elas são instrumentos do meu relato? Estão tão entranhadas em mim que quando vêm para o papel já sabem o que desejo dizer, somos tão íntimas e as tenho queridas porque, por meio delas, consigo me encontrar. O meu fascínio por elas, provavelmente, é semelhante ao fascínio do pintor pelas cores, do cantor pela música, do ator pela interpretação... meu fascínio pelas Letras é tão intenso que me sinto artista, uso-as para embelezar meus dias, ocupo-me da arte de arquitetá-las, organizá-las de modo que fiquem belas e que fascinem outras pessoas que as lêem, mas que não as lêem puro e simplesmente e sim as sintam e enxerguem que elas dizem muito mais do que aparentam dizer.
Quando me aprofundei nelas, nas Letras, foi para aprender a usá-las com mais propriedade e para entregar-me de vez ao fascínio que elas exerciam sobre mim, entregar-me, decididamente, ao vício de ler e escrever. Tornei-me lapidadora delas, ou seja, tornei-me revisora, ou seja, tenho a função/prazer de transformar conjunto de Letras que chegam até mim em seu estado bruto em conjuntos claros e belos, cuidando para que as Letras estejam bem ditas, as benditas Letras que traduzem pensamentos, sentimentos e relatam informações. Ainda não sei, em minha modesta experiência, se realizo bem a função de lapidadora de Letras ou não, a única certeza que tenho é a de que sou e serei sempre viciada nelas e na arte de transformá-las em beleza.

Ana Paula Enes
Março de 2004